31 de mar. de 2019

1969, o ano em que descobri Goiás

O centro de Goiânia visto da Praça Universitária, 1969
Goiânia, 1969. A cidade tinha 300 mil habitantes e qualidade de vida. Íris Rezende era o prefeito. Ruas limpas. Nas calçadas, havia um cesto de lixo a cada 20 metros. Ai de quem jogasse papel ou qualquer coisa na rua. Os próprios goianienses fiscalizavam. Íris cultivou em cada um o "eu amo Goiânia". 

Vindo de São Paulo, cheguei à cidade um pouco antes de o General-presidente Artur da Costa e Silva editar, em 26 de fevereiro, o Ato Institucional 07. O chamado AI-7 suspendia as eleições para governador e prefeito. 

Goiânia eis-me aqui. A minha meta primeira era trabalhar na Rádio Brasil Central. Eu a ouvia diariamente. Eram possantes as suas ondas curtas e tropical, de alcance mundial. E com fé em Deus e transpirando ansiedade, lá fui eu para a Vila Nova, onde ficavam os seus estúdios. Coração batendo ao ritmo da nervosa expectativa e da emoção. 

Subi as escadas. Recebeu-me Gonçalves Lima, redator e plantão esportivo da Equipe ABC, comandada por Baltazar de Castro. O "Gonça" foi o meu primeiro amigo. Cheguei sem emprego e sem nada. Ele me deu cama e comida e isso não há dinheiro que pague. Creio que estará lendo essas linhas. Receba por elas, meu amigo, mais uma vez, a minha eterna gratidão. 

Como não conheciam o meu trabalho, foi com ele, e também com o saudoso e grande amigo Caetano Beghelli, que apresentei alguns programas esportivos. Sempre otimista, estava certo de que ali ficaria. Alegria efêmera. "Você é muito bom, Bordoni, mas não tenho verba para contratá-lo. Sinto muito"- disse-me Baltazar, outra alma boníssima e que muito fez por Goiás.

O não foi um baque. No futebol, diríamos que joguei bem, mas não fui convocado. Frustrei-me por não realizar o meu "sonho RBC", mas o Gonça me convenceu a ficar, que persistisse, pois outras chances viriam. E tal se deu. Foi ele quem me indicou ao Draulas Vaz. Começava ali o meu amor por Goiás.  
Draulas Vaz

Draulas comandava as áreas de esportes dos Diários Associados: a Equipe 1.320, na Rádio Clube (hoje, Sagres 730), a programação esportiva da TV Goiânia (hoje, Goyá/Record) e a editoria de esportes da Folha de Goiaz.

A Folha foi o primeiro jornal goiano a usar a impressão fria (offset), aposentando os tipos gráficos ainda em uso, à época, pelo O Popular.  Luiz de Carvalho, editor-chefe. Na redação, Altamir Vieira (chefe de reportagem), Raul de Assis, José Domingos de Brito, Sebastião Campos, David Araújo et alii. O amigo Wilson Silvestre, com quem também trabalhei no Diário da Manhã, chefiava a diagramação.

José de Oliveira dirigia a Rádio Clube. Eu produzia os programas de esportes - A Bola é Nossa, às 11h30, e A Bola Continua Conosco, às 18h30. José Calazans, hoje na RBC, dividia comigo a apresentação. Na verdade, eu fazia de tudo. Narrava, comentava, fazia reportagens.   

A Equipe 1.320 era um time de primeira. Habib Issa, Jadir Santos, Calazans e Manoel de Oliveira eram os narradores. Além do Draulas, tínhamos os comentaristas Carlos Alberto Sáfadi (fomos juntos para a Folha de S.Paulo), Amir Sabag e Nei Fernandes (Nei que fora técnico campeão com o Goiânia, em 1968, timaço com os fantásticos Chico, Silvinho e Tuíra no meio de campo). 

Os nossos repórteres eram Levy de Assis, Edson Costa, Ezer de Mello e o então iniciante e hoje consagrado comentarista, Evandro Gomes, que, à época, também trabalhava na Casa Carajá, vendendo materiais de caça e pesca. O professor Reid Duarte cuidava do nosso plantão esportivo.


Levi de Assis
TV Goiânia, emissora da Rede Tupi. Iniciei ali o meu aprendizado em televisão. Passei a apresentar "O 4 é Bom de Bola". Lia as notícias e o Draulas as comentava. Os Diários Associados ficavam na Avenida Goiás, entre a 1 a 2, onde hoje temos uma agência da Caixa Federal. 

Bem em frente ao prédio havia um recuo acentuado da calçada - a chamada Pracinha dos Diários, de onde eu transmitia lutas de boxe, promovidas pelo Hugo Nakamura, e, também o "telecatch" - as lutas livres da TV Excelsior do Rio, trazidas para cá por Luiz Ricci, nosso diretor comercial. O público se acotovelava. Havia crianças demais.  Todos queiram ver os famosos Ted Boy Marino, Fantomas, Gran Caruso, Homem Montanha, Índio, La Múmia, Moretto, Tigre Paraguaio e mais duas dezenas de lutadores.

Alberto Poli era o nosso diretor artístico. Foi ótima a minha escola. Graças às lições do Luiz Carlos Santos, o Lulu, mais tarde diretor comercial da TV Goyá e Record, e do Gregório Camargo, câmeras de primeira grandeza, eu aprendi a lidar com essa caixinha cheia de fios e telas. 

Com tais mestres, em julho, usando um link de fabricação caseira (saudade de José Carneiro Pimenta), transmitimos jogos de futebol, futebol de salão, voleibol, basquete e provas de atletismo e natação, nos XX Jogos Universitários Brasileiros, sediados em Goiânia. Também fizemos ao vivo, em 12 de julho, a inauguração da Praça Universitária. Tempo em que César Sebba era a nossa estrela maior na bola-ao-cesto e que teve lugar merecido na seleção nacional. 


1969, ano em que o Vila, com 26 pontos, foi campeão. CRAC o vice, com 25 pontos e seu centroavante Toninho Índio o artilheiro, com 14 gols. Goiás, o terceiro. Atlético, o sexto e o meu Goiânia, campeão do ano anterior, em sétimo. 
   
Zuenir Ventura diz, em livro, que 1968 foi o ano que não terminou. 1969 não foi um ano qualquer. Os militares, que haviam tomado o poder, em 1964, endureciam o jogo. E o arrocho foi muito maior a partir de 31 de agosto, após o afastamento do presidente Costa e Silva, seriamente adoentado. Com o vazio do cargo, assume o comando do país uma junta governativa formada pelos ministros do Exército (Lira Tavares), Marinha (Augusto Rademaker) e Aeronáutica (Mário Souza Mello) - um trio, verdadeiramente, parada dura. 

18 de setembro, após os movimentos de esquerda terem sequestrado o embaixador estadunidense no Brasil, Charles Elbrick, a Junta, em repressão total aos opositores ao regime, cria a rigorosa Lei de Segurança Nacional. Em 15 de outubro, edita o Ato Institucional 16, reabrindo o Congresso Nacional e promulgando, dois dias depois, uma nova Constituição.


Nesse ínterim, Goiânia vivia a efervescência dos movimentos estudantis, que fizeram da Praça Universitária o seu centro de resistência. Embora nunca tenha insuflado qualquer ação antagônica, o prefeito Íris Rezende preocupava os militares com o seu carisma e liderança. Às sextas, ele ia à TV e pedia aos goianienses participação nos seus mutirões. Milhares acorriam aos seus chamados. 

Ante o prenúncio da volta das eleições diretas para os governos estaduais, em 1970, o "homem dos mutirões" estava em campanha aberta para governador. "Bom pra 70" era o seu slogan. Sonho abortado. Em 20 de outubro, dois dias antes de inaugurar o Parque Mutirama e a quatro dias do aniversário da Capital, Íris Rezende é cassado. A cidade chorou. 

Nomeado prefeito de Goiânia, Leonino Caiado começa por mandar perdoar multas e correções monetárias de contribuintes inadimplentes e, também, da salgada taxa de pavimentação asfáltica que os goianienses tinham que pagar a bancos privados, que haviam financiado as obras. 

24 de outubro. Goiânia faz aniversário. No dia seguinte, o general Emílio Garrastazu é guindado à Presidência da República. Dez dias depois, Carlos Marighella, líder da Aliança Libertadora Nacional, é morto a tiros por agentes do DOPS, em São Paulo. O ano termina com uma nota de alegria. Em 19 de novembro, Pelé marcava o seu milésimo gol, na vitória do Santos sobre o Vasco da Gama, por 2 a 1, no Maracanã. 


Ledes Gonçalves
Nessa época, eu também apresentava com Ribeiro Júnior, Folha de Goiaz na TV, telejornal que, durante bom tempo, teve a comandá-lo, na bancada, os queridos amigos Ledes Gonçalvez e Glória Drummond. Só falávamos amenidades. Não havia matérias sonoras, só filmes negativos mudos. O único ditador em que podíamos bater, sem medo da censura ou da polícia, era Nicolae Ceausescu, o terror da Romênia e inspirador de Hitler.

Apesar de todos os medos e apreensões, Goiânia, em 1969, era uma cidade maravilhosa, bem cuidada, mais gente do que carros, gostosa para se viver. Ventos, sol e flores e onde a primavera tinha doze meses.     

P.S. - Aplauso. O presidente Jair Bolsonaro desiste de transferir embaixada brasileira para Jerusalém e, no lugar, abre um escritório para promoção do comércio, investimento, tecnologia e inovação. Em compensação, insiste em quebrar tradição diplomática e visitará o Muro das Lamentações com Netanyahu. Que depois não lamente se perder o forte mercado árabe, um dos maiores importadores de produtos brasileiros, acentuadamente bem maior do que Israel.

30 de mar. de 2019

Que Bolshalom também seja Bolsalam


Bolsonaro viaja para Israel
O presidente Jair Bolsonaro, quando embarcava,
neste sábado, para Israel (Foto: Alan Santos/PR)
O presidente Bolsonaro tem o Brasil para "consertar". Deveria começar a fazê-lo, ao invés de bater asas e pousar em apoios indevidos a interesses alienígenas. Tivesse aprofundado o seu conhecimento histórico, não seguiria a imposição de vontades do seu ídolo Trump e jamais apoiaria a estúpida intenção de se fazer de Jerusalém a capital de Israel. Berço de três religiões - judaísmo, cristianismo e islamismo -,  a velha cidade é patrimônio do mundo - é uma cidade de todos. Que a capital israelense continue sendo Tel-Aviv.

É preciso que tenhamos uma política internacional pautada na legislação e acordos vigentes, com submissão às resoluções da Organização das Nações Unidas. O presidente, ao seguir Trump neste apoio, apenas reforça o matiz servil a ele imputado, em sua primeira estada na Casa Branca. 

É preciso colocar os interesses do Brasil acima de tudo - aliás, este é o lema dele, na campanha e, agora, no governo. Que cumpra, pois, o slogan e pondere o que é bom para o seu país, para o seu povo. Passar caol no menorá judeu pode nos custar a perda de bilhões de dólares árabes. O Oriente Médio é um dos maiores importadores de produtos brasileiros. 

Os números, em 10 de fevereiro deste 2019, atestam isso. Exportamos para eles produtos vários, num total de US$ 1 bilhão 749 milhões, e importamos US$ 811 milhões, com um saldo positivo de US$ 938 milhões na nossa balança comercial. Com Israel é o contrário: exportamos US$ 57 milhões e importamos três vezes mais: US$ 184 milhões - um déficit de US$ 127 milhões. Perder o mercado árabe será construir o nosso próprio muro de lamentações. 

O Sr. Bolsonaro precisa deixar de ouvir o seu (a)trapalhão ministro de Relações Exteriores. Inábil, politicamente, e, ababelado, revelando-se ignoto em política econômica internacional, o Sr. Ernesto Araújo já causou apreensão por seu discurso contra a China, apregoando que ela pode comprar, sim, os nossos produtos, mas não a nossa alma.

Alma eles não a querem, todos sabemos - mas Araújo não titubeia, quando prega que devemos dá-la de presente a Trump. A verdade é que, paralelamente à sua cultura xenófoba, há uma ruidosa sinofobia instalada no nosso chanceler. Rejeita a China por ser ela um Estado comunista.

Curiosamente, cabe, como lição ao nosso chefe do Itamaraty, o brocardo de um velho chinês, Deng Xiaoping, quando em defesa da abertura dos negócios do seu país para o capitalismo: "Não interessa se o gato é branco ou preto. O que importa é que ele mate o rato". 

Dinheiro não tem ideologia. Sejam dólares, rublos, ienes, remimbis, o importante é que comprem do Brasil. Podemos ser, de fato, o celeiro do mundo. Basta que tenhamos política econômica interna forte, com apoio ao setor produtivo, a desoneração dos custos etc., para que, com preços competitivos, conquistemos o mundo. 

Que o presidente Bolsonaro não judaíze as suas ações, ainda que seja seu desejo pessoal. O Brasil está acima das suas vontades. Em Jerusalém, vá sozinho ao Muro das Lamentações. Esqueça o Araújo e deixe Benjamim Netanyahu em casa. Ir com ele é, praticamente, romper com os árabes, o que vai ser bom para Israel, mas muito, muito mesmo, ruim para nós. O que queremos são bons negócios e muita paz (shalom) com os israelitas e muita paz (salam) com os ismaelitas. Isso é o que importa e que assim seja.
      
P.S. - Araújo, ao afirmar ser o nazismo de esquerda, expõe o seu despreparo para comandar o Itamaraty. O nacional-socialismo (nazismo) sempre foi um movimento de extrema direita. Rejeita a democracia, a igualdade das pessoas e, totalitário, promove a segregação racial e étnica etc. Na verdade, regimes totalitários são cânceres, sejam de direita ou esquerda. É preferível a democracia, ainda que com imperfeições. Nela, o povo tira quando quer, muda quando cansa. 

29 de mar. de 2019

A balada dos revoltosos e o telefone indiscreto


Goiânia, dias primeiros de março, 1986. Eu trabalhava na Rádio Jornal de Goiás, último andar do edifício do Cine Capri. Apresentava a manhã política, a competentíssima jornalista Deja Moura, da TV Goyá, era a minha repórter. Um telefone, uma agenda telefônica e estamos no ar. 

Antenados, acompanhando o programa, os políticos sabiam que o telefone chamando, entre 7 e 8 horas, só poderia ser o Bordoni querendo saber alguma coisa. A pauta consistia em informações levantadas por mim, repercussão de destaques nos jornais do dia e, também, entrevistas agendadas previamente.

Certa tarde, na Assembleia Legislativa, a bancada do PMDB estava descontente com Iris Rezende, que havia deixado o governo para ser ministro de Sarney. Senti que a ruptura era iminente. Acusavam Íris de se achar dono do partido. A nau dos insatisfeitos era capitaneada pelo senador Mauro Borges, marginalizado pela ala irista, detentora do controle da legenda.  

Ninguém dos "revoltosos" queria falar. Bagres ensaboados. Única exceção era o deputado Maranhão Japiassu, da ala conjurada e que acabara de chegar de Brasília, onde estivera com Mauro, no Senado, para tratar de projeto de construção de ponte sobre o Rio Tocantins. 

Combinei de falarmos sobre a obra, de coisas da política e que ligaria para ele na manhã seguinte, por volta de 7h20, 7h30 da manhã. E o fiz, discagem direta no ar.

- Bom dia, deputado. Bordoni falando. Tudo bem?

- Tudo bem, Bordoni. Antes da gente falar da ponte, deixa eu te contar uma coisa, mas, por favor, ninguém mais pode ficar sabendo. Vai ser uma bomba. 

Nem pude dizer que já estávamos no ar. Ele logo emendou o explosivo segredo:

- Eu, o Moisés Abraão, o Mauro Borges, o Aparecido de Paula, o Tarzan de Castro e o Manoel Motta vamos cair fora do PMDB. Vamos todos para o PDC e lançar o Mauro Borges candidato a governador.

O segredo da conjuração deixava de existir. Foi, realmente, uma bomba. O palácio tremeu. Os alicerces do partido foram sacudidos. Os revoltosos estavam preparando um anúncio alvoroço, para solapar de vez o PMDB. 

Naquele mesmo dia, na Assembleia, durante a sessão, colegas jornalistas pegaram o telefone do balcão da imprensa e chamaram o Japiassu:

- Deputado, ligação para o senhor. É o Bordoni.

- Manda esse f... d... p... para a p... q... p...

Francisco Maranhão Japiassu, maranhense de Carolina, de saudosa memória, foi um dos bravos defensores da criação do Estado do Tocantins. Pequeno no tamanho, grande em dignidade e generosidade. Com respeito, o reverencio e à sua história.

P.S. - Os brasileiros em situação de pobreza somam 54,8 milhões. Há outros 15,3 milhões em pobreza extrema. O desemprego atinge 13,1 milhões de pessoas. A nossa economia vai mal, o dólar dispara, as reformas não acontecem, os políticos mentem e idem os juízes. Os tartufos de todos os poderes querem nos fazer de palhaços. E estão conseguindo. Faz tempo. 

28 de mar. de 2019

Os soldados mecânicos e os exércitos da intolerância


A meteorologia política prevê instabilidade, com fortes pancadas para todos os lados. Tempo nublado, céu encoberto. Nuvens negras e risco de tempestades. Ventos fortes de insensatez em todos os quadrantes. Temperatura em elevação. A mínima de hoje: deputado estadual paulista quer que universidades façam exame toxicológico em candidatos, barrando dependentes e ex-dependentes de drogas. A máxima: Ciro Gomes chama Bolsonaro de "imbecil" e "semianalfabeto".

O tempo instável preocupa, mas comecemos pela temperatura. Na mínima, o máximo é a flatulência mental do deputado, tal Gil Diniz (PSL-SP). Não sabe (ou finge que não) que dependência química é doença, mas insiste em querer barrar o ingresso de dependentes e de ex-dependentes nas universidades públicas de São Paulo. Haja parvoíce. O cidadão, vítima das drogas, está saindo do fundo do poço, quer ser alguém na vida e se vê impedido de ingressar numa faculdade, porque um tapirus terrestris (anta, no popular) quer lei para impedi-lo! Que me perdoem as antas, pela analogia.

Na máxima, Ciro Gomes, acometido por sabe-se lá o que, tamanhas e tantas as suas estultices, parte para o ataque ao presidente, trazendo o debate sobre o país e os paisanos ao rés do chão. Com a sua cultura de notas de rodapé de livros de Economia, com certeza não gostaria de que o tratassem como o Rolando Lero do Cariri. Comporta-se como o próprio.

As estupidezes não são exclusividade de ambos. As patrulhas ideológicas de esquerda e de direita nada ficam a lhes dever. Tais confrarias se servem de robôs programados, transpirando rejeição a todos os que não comungam as suas ideias, para o massacre aos antípodas. O episódio de quarta-feira, tendo a dublê de repórter e modelo, Ana Hickmann, como personagem principal, é exemplo recente dessa cultura de intolerância que prolifera Brasil afora.

Ana se viu diante de Bolsonaro. Ela e o marido. Foto no Instagram. Legenda: "Hoje eu tive a honra de conhecer o meu presidente". Sentimento de uma cidadã em um Estado democrático de direito. 

A patrulha da esquerda (a da direita não é em nada melhor) esmerou na jactância comum aos que se acham donos da verdade e acima da razão: chamaram-na, até, de "Barbie Fascista". Ao contrário deles, ela deu o troco com classe: "Eu não tenho partido, eu tenho o Brasil".

A virulência  dos extremos incendeia as guerrilhas digitais, aprofundam a intolerância e asfixiam o contraditório, por meio de linchamentos e agressões virtuais. A esquerda agride Hickmann, a direita vê em cada não bolsonarista um comunista indesejável etc.. Nem querem saber - e têm raiva de quem sabe - que a democracia é permeada pela pluralidade de ideias e pela liberdade de expressão, pensamento e crença; que é do conjunto de pensamentos diferentes que se busca alcançar a maioria em torno da construção de uma sociedade mais justa, mais igualitária.

Haters (do inglês, "os que odeiam" ou "promovem o ódio"), à direita e à esquerda, são máquinas de destruição, linchadores virtuais dos que pensam e agem diferentes. Insanos. A unanimidade é utopia. E burra. Pensamento único é ditadura e o politicamente correto é coisa de anímicos, pois onde há alma, há sentimentos e eles nunca são iguais. Os que querem o respeito por seus amores aos Lulas, que também se dêem ao respeito aos que se aprazem com os Bolsonaros, com outros nomes, outros amores, outras paixões.

Querem patrulhar alguém? Simples. Olhem-se no espelho. E façam-se melhores.

P.S. - O Ibama exonerou José Olímpio Augusto Morelli, que, em 2012, multou o hoje presidente Jair Bolsonaro em 10 mil, por pescar em área protegida. Após o flagra, o então deputado infrator discursou contra a ação de Morelli e até apresentou projeto para desarmar os fiscais do órgão ambiental. A bronca mesmo não foi por conta do valor, mas da foto tirada por Morelli, prova da invasão e, depois, viralizada nas redes sociais.


Bolsonaro pescava na Estação Ecológica Tamoios, em
Angra, área onde a presença humana é proibida

27 de mar. de 2019

A rainha da Inglaterra e os homens de vida fácil


Este filme de confronto entre poderes eu o assisti em 1964. Instituições abaladas levam ao enquadramento à ordem, pela via da intervenção. Estamos caminhando sobre o fio da navalha. Acredito que só haverá saída dos quartéis se os antípodas não se assumirem adultos e dispostos ao entendimento. Há, sim, perigo de ruptura. 

O primeiro golpe "nocauteante" foi dado na noite desta terça-feira, quando, atirando no lixo o seu Regimento Interno, a Câmara dos Deputados aprovou, em apenas uma hora, em duas votações, uma emenda constitucional que tira o poder do presidente sobre o Orçamento. A tramóia legalizada engessa parcela maior do orçamento e torna obrigatório o pagamento de despesa, hoje passível de adiamento, bem como das emendas orçamentárias das bancadas estaduais. O efeito disso: o governo perde o comando sobre o orçamento e, como disse a deputada Janaína Paschoal (PSL-SP), a armação transforma o presidente em "rainha da Inglaterra".

Foi um recado dos deputados, in$ati$sfeito$ com a decisão do presidente de não negociar com os partidos. Os líderes da maioria das siglas decidiram colocar o governo contra a parede. Feitiço contra o feiticeiro. Em 2015, o então deputado Jair Bolsonaro e o seu filho e também deputado federal, Eduardo Bolsonaro, subscreveram esta mesma PEC, com o objetivo de emparedar Dilma.

Em síntese, com a emenda aprovada (o Senado ainda vai votá-la, mas apoia a coisa), a maquininha de remarcação de preços passaria a ser abolida, pois a venda de votos pró-governo, em troca de emendas liberadas, dispensaria o balcão, deixando o Executivo sem moeda para negociar - moeda criada na dinastia de FHC, que a usou para comprar, em vergonhoso escândalo, a aprovação da PEC da reeleição. 

Ao constitucionalizar a obrigatoriedade de resgatar as emendas parlamentares ao orçamento, a Câmara, simplesmente, fará do presidente candidato ao impedimento, em caso de não cumprimento do dispositivo. Será crime de responsabilidade, passível de cassação. Parece que, depois da chamada redemocratização, a simpatia da República pelos vices está virando amor.

P.S. - Apresentar proposta de CPI da Lava Toga ferindo, sabidamente, o Regimento Interno do Senado e a própria Constituição Federal, é, demagogicamente, jogar para a torcida. O autor fica bem com a galera e o presidente da Casa, cumprindo o ordenamento legal, é quem ganha a fama de bandido. Amigos, já disse conhecido deputado mineiro, ali no Congresso há de tudo: honestos, bandidos, ladrões, probos, decentes, indecentes. Só não há bobos. Os bobos somos nós.

26 de mar. de 2019

O filme de Bolsonaro e a ópera tragicômica de Lula


O presidente Bolsonaro e Michelle foram
assistir ao filme "Superação, o milagre da fé".
O sol nasce e as mãos e bocas que trafegam em quatro ou duas rodas atiram raios raivosos com pitadas fortes de intolerância. Parece que todos acordaram com hálitos de ódio. Precisam aprender a cuidar da assepsia oral, pois as mães alheias não merecem os títulos nada nobres anunciados por canejos ambulantes.

Na vinda para o trabalho, assustadores os olhares fulminantes e ensurdecedoras as buzinas dos que querem ser donos das ruas, como se o da frente fosse o culpado pelo rotineiro stop and go em que se transformou o trânsito maluco desta - infelizmente - cidade grande. Aqui nesta Goiânia, há mais carros do que gente e eles são mais educados do que os seus condutores.

Mudando o dial, acesso as minhas fontes em Brasília. Há fartura de crises de todos os tamanhos, produtos da megalomania extremada do clã do presidente. Arrumar confusão é com eles mesmos, uma espécie de quarteto fantástico às avessas. Passaram a tarde distribuindo bordoadas verbais.

Mais calmo estava o patriarca, depois que, de mãos dadas com a sua Michelle, foi ao cinema, pela manhã. Deveria fazê-lo diariamente, melhor do que ir aos tuítes confundir espinafre de caçarolinha com espingarda de caçar rolinha. Seria de bom alvitre se pudesse arrumar um tempinho para governar o Brasil.

O Centrão já avisa que a reforma, nos termos insistidos, não passa. E vai além: a PEC da Previdência, lavrada pelo governo Temer, será devolvida à ópera. Entendem os centristas que ela é mais palatável.

O ministro Paulo Guedes, que iria à Câmara falar com os deputados, pisou no freio e manteve-se na garagem da cautela. Ainda que se alardeie ter a PEC 67% dos deputados em apoio, o governo sabe que a sua reforma não passa sem que o presidente (ou preposto) compareça ao balcão de negócios. Óbvio ululante. Sendo mais da metade da Casa pró-pacote, por que então não o aprovam?

Ad conclusam, tragicômica a desastrada a chicana dos advogados lulistas, ao pleitearem, junto ao STJ, que os processos de corrupção e lavagem de dinheiro, que levaram o ex-presidente ao xadrez, sejam, de pronto, revertidos e julgados pelo Tribunal Superior Eleitoral, foro para tais crimes, segundo entendimento do STF, semana passada.

Ao concordar com o expediente proposto pelos seus gladiadores jurídicos, Lula, que até então se dizia preso político e perseguido pela partidarização do Judiciário, simplesmente assina a confissão de delitos até então negados.

P.S. - Até o momento em que escrevia essas mal-traçadas linhas, nada de CPI da Lava Toga ter sinal verde no Senado. Mais fácil a red light. Por dois motivos: fere o Regimento Interno das Casa (art. 146: "Não se admite CPI sobre matérias pertinentes às atribuições do Poder Judiciário) e, também, a Constituição Federal (art. 71: o Senado só tem poderes para auditar aspectos administrativos do Judiciário, não podendo, jamais, questionar o que ele julga).

25 de mar. de 2019

Sapos, piratas, moleques...

A semana começa com ares de liberdade para Lula, ainda que boa parte do povo Brasil queira ver o ex-sapo barbudo tomando café de canequinha por um bom tempo. Não se trata de mérito da turminha do Lula Livre, mas de filigrana jurídica que permeia as nossas duas maiores Cortes de justiça. 

Pelo balançar das redes sociais, o bloco dos capas pretas que se cuidem no decisum. O STF, antevejo, deve derrubar a sua própria jurisprudência e coibir o início de cumprimento de pena após a segunda instância. De sua vez, o STJ, atendendo à moção da defesa, pode aprovar a redução de pena do ex-presidente. Aí, ao invés da cobra, o sapo vai fumar.


Bolsomaia: o Brasil não pode ficar à mercê de arroubos
e vaidades pueris
Ainda no balançar das redes, os presidentes Jair Bolsonaro, da República, e Rodrigo Maia, da Câmara dos Deputados, voltam aos tempos de adolescência e, tal qual pentelhos incorrigíveis, protagonizam ridículo bate-barba, mostrando aos brasileiros e ao mundo que continuamos minúsculos, em matéria de prática política e, principalmente, de urbanidade. O Brasil merece respeito de suas autoridades e essa molecagem explícita aprofunda ainda mais a nossa decepção e a nossa desconfiança em relação aos que se revelam pseudolíderes.

Na esteira da semana, a boa notícia é a de que a reforma previdenciária começa a ser apreciada pela Comissão de Constituição e Justiça. A realidade nos mostra que o governo está a reboque dessa sua única proposta - e aí reside o erro do presidente, pois a vida do país carece, imediatamente, de outras ações. A economia está parada, os investimentos externos foram reduzidos, o dólar dispara (está a R$4,00) e o desemprego ultrapassa os 13 milhões de brasileiros.

A reforma da Previdência é necessária? É. Mas há pontos importantes a serem corrigidos, a começar pela idade mínima para se aposentar. Querer comparar a nossa expectativa de vida com a de países da Europa, que também fizeram tal reforma, é cálculo sem base. Aqui, a nossa média é 76 anos. Na Itália, por exemplo, 10 anos a mais.

Mas, o ponto mais importante da reforma: antes de ser promulgada, que a emenda seja submetida a um referendo. A mudança de regras mexe diretamente na vida dos cidadãos e eles devem ser ouvidos. Isso é democracia - na mais completa tradução do termo: governo em que o povo exerce a soberania.

Mobilização popular se faz necessária. Os nossos deputados e senadores, onde a maioria troca voto por benesses do governo, não têm legitimidade para decidir o que é do interesse de todos os brasileiros. O futuro de quem ralou na vida não pode ser mercadoria em balcão de negócios.

P.S. - A Rússia despejou soldados e armamentos em Caracas. Ação preventiva, depois das conversações de Trump com Bolsonaro, sobre possibilidade de intervenção no país vizinho. Há um barril de pólvora na nossa vizinhança.    

23 de mar. de 2019

Embalos de sábado à noite

Os poderes em baixa. Vídeo mostra o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, citado em "molha bolso" com a OAS.


Em Porto Alegre, em praça pública, espetacular queima de bonecos representando os 11 ministros do Supremo Tribunal Federal.

Avisem ao Maia que o trabalho dignifica o homem

Moro e o Brasil têm pressa. Maia, não. Nenhuma
Ficamos todos atentos apenas aos erros da Corte (quem manda serem gritantes!), que não estamos nos atendo ao que está orbitando em torno do Brasil com urgência - e aqui cabe a atenção devida ao pacote anticrime do ministro Sérgio Moro. Uma ação prioritária para quem governa e deve respostas aos cidadãos não pode ficar ao sabor das dileções de presidente de Câmara de Deputados ou de quem quer que seja. Não porque seja lema do instalado, mas o Brasil está acima de tudo.

A violência campeia, a bandidagem migra país afora, molecotes vítimas das escolas virtuais de violência cometem barbáries contra próprios amigos de colégio, bandidos assaltam, matam, a droga impera e nós estamos presos em casa, pois o Estado tem se mostrado impotente perante o crime. Vivemos na pátria do medo.

Moro açoda Maia, porque este também é servidor público e este, ao se sentar sobre o que é de urgência, negligencia e mantém sob risco a incolumidade de quem tem o dever de bem representar. Demora injustificável. Havendo qualquer discrepância no pacote do ministro, que o Parlamento a corrija. Se a lei não é boa, que a melhorem. Estão lá para isso. O que não se aceita é crivo pessoal sobre o que pode ou deve ou não ter caráter de urgência.

É preciso sacudir o Parlamento. O país não pode ficar a reboque de vaidades, veleidades e de apegos ao poder. É obrigação do legislador prover o Estado de dispositivos que lhe permitam cuidar dos interesses dos seus cidadãos. 

Maia deveria ler sobre os maias e aprender que não se pode ter tudo sob controle, pois o mundo não depende só dele. Ah, e que nada é pessoal e que todos devemos fazer o máximo esforço, lutar até à exaustão, pois a causa é de todos. E que devemos ser impecáveis com as nossas próprias palavras, para haver coerência entre o que pensamos e o que dizemos.

Fica a lição. De graça.

P.S. - "A arrogância vem antes da queda". (provérbio alemão) 

A vaquinha eletrônica e o menino travesso



Um internauta muito espirituoso decidiu criar uma "vaquinha" virtual a fim de arrecadar dinheiro para a compra de um videogame para o filho do presidente Jair Bolsonaro e vereador do Rio de Janeiro, Carlos Bolsonaro (PSC). Iniciada nessa sexta-feira (22/3), a campanha já havia arrecadado, até a última atualização, às 16h, R$ 375. A meta é R$ 1 mil.

"Ajudem a reunirmos recursos para comprarmos um Playstation para o Carlos Bolsonaro. Assim, ele ocupa o tempo brincando e para de ficar postando coisas impertinentes nas redes sociais", diz o texto da campanha.

De acordo com o "cowboy", caso a meta seja atingida e Carlos não aceite o "presente", o valor arrecadado será doado à Santa Casa de Misericórdia do Rio. 

A "vaquinha" surge um dia depois de Carlos, que tem 36 anos, causar um novo mal-estar entre o governo de seu pai, o presidente Jair Bolsonaro, e aliados. Na quinta-feira passada, o vereador publicou resposta do ministro Sérgio Moro à decisão do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, de deixar a apreciação do pacote anticrime em segundo plano. 

P.S. - Ruim por ser do clã Bolsonaro, mas que Rodrigo Maia merece críticas, não há dúvida. O Brasil precisa da medida, corrigida, melhorada, sei lá, mas precisa. 

O perigo de repetir o passado

Batalha na Guerra do Paraguai: matança encomendada
O capitão precisa tomar cuidado com a mendacidade. Não cai bem, a quem se anunciou espetáculo de grandeza, se revelar, abertas as cortinas da realidade, ópera bufa. Do último domingo a hoje, em meio a alguns importantes acertos - vide o ajuste do Brasil nos mares da OCDE, a sua inclusão na OTAN (Organização do tratado do Atlântico Norte) -, o nosso presidente tem surfado em pantomimas, estultices e ejaculação de lorotas.

A porta aberta aos estadunidenses, ainda que sem reciprocidade, atrai o turismo, mas não só de lá. Canadá, Japão e Austrália também gozarão do "mi casa, su casa", como diriam os irmãos mexicanos, tão duramente maltratados por El Capitán, em sua defesa do muro da vergonha.

Não se tem, ainda, a completa tradução do real conteúdo do "Pacto Donald" firmado com o nosso "presidente de honra" made in USA. O "imbróglio Venezuela", por tática de ambos os estrategos, está sendo tratado como segredo de Estado. Maduro está podre, mas querem derrubá-lo já. Seremos cabo de chicote, pelo que se depreende do servilismo em elevado grau, explícito e constrangedor.

A primeira vez que nos prestamos a tal calhordice se deu quando a Inglaterra financiou a Tríplice Aliança - Brasil, Argentina e Uruguai -, para destruir o Paraguai. Os britânicos, com a sua revolução industrial, abasteciam o ocidente, menos o sul da América, onde o Paraguai, governado por Solano López, era a grande potência econômica.

Como os nossos livros de história são omissos em grande parte dos fatos, contemos que os paraguaios tinham siderurgia, fundições, estaleiros, forte indústria têxtil, ferrovias etc. Abasteciam o Cone Sul. Financiados pelos ingleses, conluiados com argentinos e uruguaios, nós os destruímos. Esse Paraguai que aí está é culpa nossa.

Pauta Venezuela. Será que vamos nos prestar novamente ao papel de instrumento em prol de interesses de terceiros? 


Presidente, resolvamos, primeiro, os nossos problemas, que são muitos. Acelere. O Brasil precisa que o senhor acerte. e tem pressa.

P.S. - O nosso capitão precisa domar os seus pitbulls. O Brasil não é o quintal de condomínio e muito menos game para filhinhos mal educados, que se acham acima de tudo e de todos, só porque papai é presidente. Dê um açaimo a cada.

22 de mar. de 2019

Os filhos do egoísmo e o homem de Neandertal


Difícil o viver hodierno. Ou seria "ódierno"? Já não somos, estamos humanos, numa transição do racional para o irracional. Involução da espécie, darwinismo ao avesso. Os olhos despejam olhares de insatisfação, de impaciência, de repúdio, de intolerância. E as palavras são isso, explicitamente.

Amor ao próximo só quando nos olhamos no espelho. Mãos estendidas para receber,  nunca para dar. Pela escala de valores, primeiro, o celular; depois, o resto. Vivemos a era do culto ao ego. Myself. Selfies.

Vida privada passa a ser pública. A face que antes guardava os nossos segredos e vontades, hoje é janela escancarada. É face...book. Vidas expostas. Corpos e almas desnudas.

Os nossos valores são medidos pelos tamanhos de bundas, peitos e pênis. Banalização do sexo, vulgarização de atributos. Os segredos por trás dos decotes e das saias viraram domínios públicos. Os valores morais, a ética e os bons costumes foram remetidos ao período jurássico. Coisas de  demodês, neste universo anômico, onde pais e filhos apenas inspiraram o nome de velha revista.

Não, este texto não tem nada a ver com misoneísmo - rejeição ao novo. Tem a ver com saudosismo, com os tempos em que as famílias eram de verdade e não apenas verbete de dicionário. Época em que as pessoas se respeitavam e se amavam. Época em que éramos humanos, em que éramos felizes e sabíamos. 

Me perdoem se estou sendo neandertalesco, mas o mundo, antes, era bem melhor.

P.S. - Hoje, pais e filhos são estranhos sob um mesmo teto. Quase não se comunicam. Egocêntricos. Todos cultuando celulares, os deuses do seu individualismo.

19 de mar. de 2019

O pai da bossa na fossa. João penhorado. Mundo desafinado

João Gilberto e Tom Jobim: quando a bossa nova
começou
João Gilberto, baiano de Juazeiro. Sem voz. Afinado. Violão na batida que o mundo parou para ouvir. Bossa. É bossa nova. Nova música, novo Brasil. JK. É Brasil lá fora. João e Tom. Tome música. Nova Iorque, Carnegie Hall, o templo sagrado dos mais mais. Além de ambos, a primeira brasileira a ganhar o Grammy: Astrud, que virou Gilberto. The girl from Ipanema se fez mundo. Fechando o quarteto, o sax do monumental Stan Getz.

João, o Gilberto, pai da Bebel e da bossa nova, que cantou em todos os cantos do mundo, escolheu reclusão voluntária. 87 anos. Não quer ver ninguém. Passem as coisas a ele por debaixo da porta.

Hoje, 19, passaram também um papel. A 25a. Vara Cível do Rio penhorou R$79.692,00 das suas contas bancárias. Era fiador do contrato de aluguel de um imóvel no Leblon, área nobre do Rio, onde morava uma ex-namorada, inadimplente. Despejada. 

João de tantas mulheres - Sílvia Teles, Marisa Gata Mansa, Astrud, Miúcha, Maria Harris etc., está num canto, sem dinheiro, sem banquinho e violão, esquecendo o passado e esquecido no presente.

Fechou a porta e, por capricho do destino, é nome do seu primeiro sucesso esse seu desligar de tudo e de todos, esse seu adeus ao passado. Chega de saudade...

P.S. - João Gilberto pleiteia na Justiça, contra a gravadora EMI, indenização de R$170 milhões por danos morais e uso indevido de direitos autorais, entre 1964 e 2014.

Curtam aí, clicando o link, João e Tom. Chega de saudade.

https://youtu.be/xZvAgusfuls

Deuses sem limites, bocas sem cérebro e o som dos "trumpetes"


Faetonte, filho de Hélio, o deus Sol, vai um dia até ele para pedir ajuda. Os amiguinhos haviam posto em dúvida sua origem divina e ele pede ao pai alguma coisa que lhe permita demonstrá-la claramente à patota dos incrédulos.

O deus promete atendê-lo e o faz em nome de Estige, a ninfa-rio que simboliza os juramentos solenes dos deuses do Olimpo, o que torna a palavra dada irrevogável.

Mas só após a promessa feita é que o jovem lhe pede para guiar, por um dia, a carruagem com que Hélio faz seu astro percorrer a abóbada celeste. O pai suplica, inutilmente, que desista da ideia, mas acaba cedendo. Também inutilmente, recomenda prudência na condução de poderosos cavalos.

Faetonte está decidido a mostrar a sua habilidade às irmãs (as Helíades) e também, à Clímene, a mãe, que o encoraja. Lançando-se no céu, logo perde o controle dos animais que as suas próprias irmãs haviam domado. Em sua maluca trajetória, a carruagem primeiro voa muito alto, depois desce e se aproxima demais da Terra. A vegetação se incendeia, os rios secam, até que Zeus põe fim ao desastre, atingindo Faetonte com um raio. O rei dos deuses só intervém porque Hélio, o pai, não soube ser severo, impor limites, dobrando-se ante a arrogância do filho.

Seria interessante que o capitão-presidente se mirasse no exemplo e se poupasse do erro da falta de rigor do Deus Hélio e desse um basta à arrogância dos seus três Faetonte, impondo a eles limites, antes que incendeiem o seu governo e sequem os rios de esperança de um país que precisa e torce pelos seus acertos.

ATO II

Ou capitão-presidente foi mau aluno em Agulhas Negras ou também não passou pela Escola Superior de Guerra. Infelizes as suas colocações nas entrevistas dadas em Washington. Falta que queira construir um muro entre Brasil e Venezuela, tamanha a ênfase que deu ao "wall of Trump", na fronteira com o México. Mas o esbarrão maior ficou por conta da infeliz afirmação de que "a maioria dos imigrantes não têm boa intenção".

Talvez ache que brasileiros honestos são os que ficam aqui. E, com certeza, ignora que, tanto a nossa terra quanto a do seu amigo lá do Norte, só alcançaram desenvolvimento econômico graças à força de trabalho das colônias de imigrantes - realce para a dos italianos, em maior número em ambos os países.

Importante que alguém lembre a ele que os Bolzonaro (com "z", na sua forma original), seus ancestrais, são da região do Vêneto e que há, hoje, parentes dele em Rovigo, Anguillara e San Martino di Venezze. Generalizar a má índole dos que vêm de fora é olhar-se no espelho e cuspir em si próprio. Nativo puro nessa terra brasilis, tirando os índios, outro não há.

ATO III

O bate-bola dos "Trumps": relações comerciais
em primeiro plano
(Imagem Rede Globo)
O Pacto Donald foi firmado. Os militares de lá só vão usar a base espacial de Alcântara, no Maranhão, se o Congresso estadunidense, majoritariamente democrata, aprovar os termos do acordo. Mas será injusto dizer que não há esforço do presidente em tentar consolidar, a curto prazo, uma aliança de livre comércio com os Estados Unidos.

Óbvio que não se pode esperar resultado imediato das tratativas, até porque há óbices por conta das barreiras burocráticas, tarifárias e não tarifárias vigentes, culminando com as sobretaxas a produtos brasileiros - lutar pelo seu fim é uma das metas do presidente. Resta saber se haverá, por parte de Trump, a flexibilização da polêmica "America First", a plataforma de política externa da Casa Branca. Esperar e ver.

P.S. - Recebo mensagem: pedido de impeachment de Gilmar Mendes tem 150 páginas. Só dele? E os outros? E os outros de outros tribunais? E aquela regra que condena juiz corrupto à aposentadoria compulsória com vencimento integral? Se fosse só Gilmar o problema...

18 de mar. de 2019

Davi prende o rabo e Dodge vira Fordinho 29



Segunda-feira 18, São Paulo. Embora tenha dito que não criaria obstáculos para impedir a CPI do Lava Toga, Davi Alcolumbre, presidente do Senado, perguntado, na FIESP, sobre o que fará com o novo requerimento a ser protocolado nesta terça, disse: "O nosso país precisa de estabilidade. As instituições têm de funcionar e o Brasil não pode, nesse momento delicado de sua história, ter clima de conflito entre as instituições. Uma guerra institucional não vai fazer bem ao Brasil, neste momento".

Davi fazendo média. É alvo de dois inquéritos no Supremo Tribunal Federal, que apuram irregularidades na campanha dele, em 2014. As ações tramitam de forma conjunta e estão sob a relatoria da ministra Rosa Weber. Um dos casos corre em segredo de Justiça.

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Do pastor Silas Malafaia, ipsis verbis/ipsis litteris: "Eduardo Bolsonaro ajudaria muito mais o governo do pai parando de falar asneira. Poderia ter ficado de boca fechada na questão dos imigrantes ilegais brasileiros. Não conhece a realidade da questão. A maioria, quase que absoluta, vai para trabalhar".
E arrematou: "Não tenho vergonha dos brasileiros ilegais que estão em diversas nações poderosas. Pelo contrário, são trabalhadores que foram tentar a vida, fugindo do desemprego".
Pelo andar da carruagem, as alas bolsonaristas estão em conflito. Evangélicos, militares e olavetes trocam petardos entre si. Batem do pescoço para cima.

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Depois da canetada que exonerou 21 mil comissionados e extinguiu os cargos que ocupavam, o presidente Bolsonaro fez publicar no Diário Oficial desta segunda, 18, decreto estabelecendo que, a partir de agora, só quem é ficha limpa poderá ser nomeado para cargos comissionados. A medida também torna inelegíveis servidores enquadrados na mesma lei. Resumindo: detonou a farra de cargos do PT e avisou que só limpo joga no time.

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Também nesta segunda, 18, o ministro da Justiça, Sérgio Moro, e o Diretor Geral da Polícia Federal, Maurício Valeixo, estiveram tentando negociar, nos Estados Unidos, o acesso aos dados do Facebook e Whatsapp, sem a necessidade de um pedido judicial. Não creio que consigam. O sigilo faz parte da confiança entre os usuários e as duas ferramentas. Ambos (e também o pessoal do CNJ) deveriam ler melhor a Constituição. Ela prevê a inviolabilidade de correspondência e isso se aplica às parafernálias da modernidade. Assim, os meios eletrônicos, realizados em redes sociais e e-mails, têm sigilo amparado pela Lei Maior. Aqui e lá, onde o rigor é total.

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De Dodge a Fordinho 29. É farpa à Procuradora Geral da República, depois de sua queda de braços com a força-tarefa da Lava Jato. Pensando em ser reconduzida ao cargo, Raquel Dodge caiu em desgraça junto aos colegas de instituição e sabe que, dificilmente, obterá os votos necessários para compor a lista tríplice a ser enviada ao presidente Bolsonaro. Os rumores lá na PGR sinalizam que ela alimenta a esperança de ser indicada pelo presidente, à revelia da lista. A eleição será daqui a seis meses.

P. S. - A Associação Juízes para a Democracia expediu nota em defesa do STF e repudiando os ataques ocorridos neste domingo, 17, contra a instância maior do Poder Judiciário, em Brasília. Dezenas de faixas foram colocadas, em protesto contra aquela instituição. A mais violenta delas: "STF, puteiro do PT".

A Casa Branca e a casa de Mãe Joana

O presidente Jair Bolsonaro falando a "formadores de opinião", em Washington
Foto: Alan Santos (PR)


O Brasil espera e precisa que o presidente Bolsonaro acerte, devolva o país ao desenvolvimento e esperança ao nosso povo. Há um país em oração para que isso aconteça.

Mas há um conjunto de atitudes que resultam num grande ponto de interrogação. Começa pelo vazio no comando. Há muita gente, sem legitimidade, falando pelo presidente. Esta viagem aos Estados Unidos só faz aumentar a dúvida sobre quem é que de fato manda aqui.

Na chegada, o jantar na casa do embaixador brasileiro Sérgio Amaral mais pareceu bandeja de loas ao escritor Olavo de Carvalho, guru de Bolsonaro, do que talheres de boas vindas ao nosso presidente. Presentes à farta mesa estavam formadores de opinião e ativistas da extrema direita estadunidense, capitaneados por Steve Bannon, o mago estrategista de Trump.

Pelo que lemos, vimos e ouvimos, o périplo da nossa comitiva, mais que do que estreitamento de relações, cuidará da materialização da nossa subserviência aos anfitriões. No ágape de domingo, alguns pontos foram discutidos. Um deles, a nossa relação com a China, maior importadora dos alimentos que produzimos. Trump não quer os amarelos por lá e, no jantar, o alerta foi dado: qualquer concessão aos chineses merecerá restrições de Tio Sam.

Segundo Olavo, bisando o presidente eleito, "a China pode comprar ao Brasil, mas não comprar o Brasil ". É o velho discurso do macarthismo ianque e do lacerdismo tupiniquim: nada de negócios com países comunistas. Coisa de mentalidades jurássicas. Comercialmente, a China surfa nas ondas do capitalismo. Vamos dizer não a um bom freguês, porque o Trump 1 manda e o Trump 2 obedece.

Nesta terça, 19, ambos os presidentes estarão reunidos para firmar o "Pacto Donald". Dentre os pontos principais, o uso de tecnologia americana para o lançamento de satélites, por nós e por eles, na nossa base em Alcântara. Outro, polêmico e questionável, é o da não exigência de vistos para que cidadãos estadunidenses entrem no Brasil quando quiserem, sem que tenhamos direito à reciprocidade, ou seja, não podemos entrar no país deles pela mesma norma. Ao oficializar o nihil obstat, nos fazemos (mais uma vez) quintal da Casa Branca. Pior: viramos casa de Mãe Joana. Infelizmente.

P. S. - O Brasil torce e espera que o presidente acerte, mas que também governe, decida e aja como presidente de todos os brasileiros e não só dos que nele votaram.

17 de mar. de 2019

Sábados, domingos, segundas... a esperança persiste

Domingo, pé de cachimbo. Da paz. Precisamos. O nosso mundo está tomado pelo ódio, intolerância, desamor, indiferença. Harmonia não há, nem mesmo na música nativa, outrora tão boa. A vida é bela, mas a fazemos feia. O verbo de Deus foi mudado: odiai-vos uns aos outros. É o mandamento da vez.

Ali na banca, conversávamos sobre o nosso Brasil. Queixas. Bolsonaro ainda não disse a que veio. Uma pessoa ao lado, fora da roda, invade o espaço: "Isso é conversa de esquerdista, de comunista. Essa raça tem que ser extinta".

Democracia é vez e voz para todos, mas, ao que parece, menos para os democratas que estão no poder. Óbvio que há gente boa em todos os lados - como há em todos os segmentos sociais -, daí que esta segregação em curso nos coloca num campo minado, conflitos à espera da primeira pedra.


A ampla matéria deste 17 de março, publicada pelo Estadão, é documento que justifica essa preocupação. Há um bunker reunindo exército de bolsonaristas e olavistas para promover o linchamento virtual de quem ouse discordar do que aí está. Detalhe: o primeiro nome, comandando a tropa, é o do próprio presidente.

Esse trupe me traz à memória os "camisas pretas", da Ação Integralista, de Plínio Corrêa de Oliveira, apoiadores da ditadura de Getúlio Vargas, e, mais recentemente, 1964, os brucutus do CCC - Comando de Caça aos Comunistas. Sorte dos de antanho que eles não tinham a internet.

Ódio, intolerância, racismo - essa a matéria-prima desses robôs fantasiados de humanos e que, em nome do "podemos porque mandamos", estão levando ao rompimento as relações humanas. Sejamos diferentes nas ideias, mas iguais no respeito, na urbanidade. Os de tal conduta hostil não podem falar em democracia, Pelos atos, nem sabem o que é. 

Folheando jornais e revistas, há dois outros pontos em evolução e à espera de ebulição: a ativação imediata da Operação Lava Toga e a mobilização comandada pela deputada Joice Hasselman. A líder do Governo no Congresso pede a aplicação do artigo 142, da Constituição, que trata da intervenção militar, e que ela se dê no Supremo Tribunal Federal.
Que venha a Lava Toga. Intervenção militar? Essa moça está mexendo com fogo.

A semana terminou com a carta de Lula aos lulistas: é inocente, quer julgamento justo, foram desumanos no caso dos velórios, que só está preso por conta de manobras políticas com o apoio da mídia, tendo à frente a Rede Globo. Ah, e que Bolsonaro só foi eleito porque não o deixaram ser candidato.

Outra semana começa com a surpreendente declaração do guru do capitão, Olavo de Carvalho. 
Neste sábado, nos States, ele participou de encontro promovido por Steve Bannon, ex-estrategista-chefe da Casa Branca e da campanha de Trump. Questionado sobre como avaliaria o governo que ajudou a eleger, foi direto:

"Se tudo continuar como está, já está mal. Não precisa mudar nada para ficar mal. É só continuar assim. Mais seis meses, acabou".

Cai o pano.


P.S. - Na quinta-feira, de uma canetada só, o presidente Bolsonaro demitiu 21 mil servidores comissionados, bem como extinguiu os respectivos cargos. Haviam sido nomeados nos governos Lula/Dilma. 

16 de mar. de 2019

A lei de Lampedusa no império da mentira


Com a retomada da democracia no país, descobrimos, na esteira das decisões que se sucederam, que os ares de liberdade eram engodo, falso cenário a esconder a verdade silenciosa e subterrânea sobre o novo Brasil que surgia.

Giuseppe Tomasi de Lampedusa, o palermitano autor de "O Leopardo", que virou filme de Visconti, com Burt Lancaster, Alain Delon e Claudia Cardinale, é o pai de enunciado que melhor define os embustes usados nos chamados processos de democratização.

No Il Guepardo, o príncipe Falconeri, ao declarar que vai compor as tropas contra o sistema, justifica a sua decisão e define os objetivos da sublevação: "Algo deve mudar, para que tudo continue como está". 


Este pequeno excerto entrou para o universo da política hodierna como "La legge di Lampedusa". É a lei que move governos e parlamentos - e aqui neste nosso rincão, tem sido o fundamento garantidor do status quo de um dos sistemas republicanos mais corruptos do mundo.

A nossa Constituinte foi uma farsa - um golpe branco. Ao invés de uma assembleia nacional formada por pessoas do povo e específica para tal fim, o então presidente Sarney, por decreto, estabeleceu que os parlamentares federais (deputados e senadores), eleitos em 1986, comporiam plenário uno, para elaborar a nova Cartas Magna.

Não tivemos o povo na lavra. Partidos políticos enxertaram na nova Constituição as suas propostas adredes à sua ideologia e, depois de quase dois anos, vimos a consolidação do golpe. Ao não submeter a nova Carta a um referendo - o aceite ou não pela população -, promulgou-se a tal, sob o argumento da desnecessidade, pois estávamos saindo da ditadura. Mais do que nunca e justamente por isso, a consulta aos brasileiros se fazia indispensável.

Outubro de 1988, dia 5. Festa. O Brasil, que, em 1985, havia saído da ditadura militar, entrava agora na ditadura partidária. Amarrado pelos partidos, o Executivo não governa e passa a ser um agente a serviço dos interesses do Parlamento. É o famoso toma lá, dá cá. Soma-se a ambos o Judiciário, contumaz agressor de uma Constituição da qual deveria ser o guardião. Assim, são três poderes que, ao invés de do povo, pelo povo e para o povo, estão a serviço de seus próprios interesses e nos de outrem.

Reforma da previdência, política, tributária, pacto federativo etc. Todos falam em mudanças, em reformas. Retórica, apenas isso. Não querem mudar nada. Ou alguém acredita que, nesta tal reforma previdenciária, por exemplo, deputados e senadores votarão para que as suas polpudas aposentadorias sejam reduzidas ao teto máximo de R$5 mil, pagos aos da planície? Amigos e amigas, os tais jamais irão mudar aquilo que os beneficia.

Lei de Lampedusa. Nunca se esqueçam dela.

P.S. - Como dizia antigo deputado federal mineiro, José Bonifácio: "Aqui no Congresso tem de tudo. Tem ladrão, tem honesto, canalha, gente séria… Só não tem bobo".