Sol escaldante.
São 11 horas e 30 minutos do dia 8 de agosto de 1953. Estamos a três quadras do
Palácio das Esmeraldas, próximos do cruzamento da Goiás com a Anhanguera. Pedro
Arantes, diretor da empresa estatal de energia elétrica, interpela o jornalista
Haroldo Gurgel sobre a manchete estampada no semanário O Momento, “O homem
voltou e deu a luz”. Estava irado.
Gurgel sorriu. E
que Arantes, no dia anterior, havia ido ao dentista, para uma radiografia. Como
estava faltando energia, ele mandou religá-la, bateu-se a chapa e a cidade foi
novamente devolvida à “falta de luz”
Quando Pedro
Arantes abordou o jornalista, do mesmo carro oficial descem, também, Pernambuco
(José de Sá Novais), um sobrinho dele, cujo nome nunca se soube, Neném Calango
(Antônio Batista de Oliveira), Domingos Borrely e José Serapião de Sá.
Desceram
atirando, mandando as balas contra o indefeso Gurgel e, de quebra, ferindo os
irmãos João e Antônio Carneiro Vaz, donos do jornal. O indefeso jornalista
tombou morto. João chegou a atirar um tijolo contra os assassinos, que fugiram
no mesmo carro do Estado (era um veículo da COAP, Comissão de Abastecimento e
Preços).
Um cidadão que
por ali passava improvisa um pincel e o molha no sangue que escorria,
escrevendo na parede do Lord Hotel uma frase-manifesto: “Aqui tombou um moço
defendendo a liberdade de imprensa”.
Goiânia ainda
era pequena nos anos 50 e logo a população inteira tomara conhecimento do
crime. Antônio Vaz, de 20 anos, havia levado oito tiros e João, de 18 anos,
outros cinco, foram internados num hospital.
O corpo de
Haroldo Gurgel foi transformado num símbolo de revolta, velado por políticos,
pela massa indignada. Não houve cortejo fúnebre. O povo, que lota a Praça
Cívica, leva o caixão nas costas e o deposita na entrada do Palácio das
Esmeraldas.
Pedro Ludovico,
o governador, irritado, temendo que o poviléu invadisse o seu reduto, passou a
mão no revólver. Do lado de fora, Alfredo Nasser usa a arma que tem: coragem e
texto. Edita a nota “Ao Povo Goiano”, que tem como alvo o truculento
governador.
No tal manifesto, o jornalista denuncia “os sistemáticos e repetidos atentados a homens de imprensa [...] que se juntam às ladroeiras ostensivas de lotes e terras devolutas, às negociatas, ao assalto despudorado aos cofres públicos, ao nepotismo, às cenas do mais torpe vandalismo, que rebaixam Goiás à condição de senzala e reduzem os foros de cultura do seu povo a uma simples expressão de banditismo”.
No tal manifesto, o jornalista denuncia “os sistemáticos e repetidos atentados a homens de imprensa [...] que se juntam às ladroeiras ostensivas de lotes e terras devolutas, às negociatas, ao assalto despudorado aos cofres públicos, ao nepotismo, às cenas do mais torpe vandalismo, que rebaixam Goiás à condição de senzala e reduzem os foros de cultura do seu povo a uma simples expressão de banditismo”.
O Jornal do Povo
vai na jugular do poder: um dos assassinos fora visto no Palácio das
Esmeraldas, onde se refugiara. Neném Calango, atingido pela tijolada de João
Vaz, foi levado por policiais ao Hospital Santa Luzia, de onde saiu livre, leve
e solto, depois de receber alguns curativos.
Na investigação
policial, Pedro Arantes depõe, alegando ter abordado o repórter e este o teria
desacatado. Ele é desmentido por João Carneiro Vaz, testemunha ocular e
auditiva e vítima – levou cinco tiros: uma bala no pescoço, duas num braço, uma
no outro e uma na virilha. Ainda assim, Pedro Arantes conseguiu sair incólume
do tribunal do júri, a exemplo do copartícipe Abade do Carmo, um revólver a
serviço de Pedro.
Registrado no
Cartório do 2º Ofício Criminal, sob os números 37 e 786, o processo do
assassinato de Haroldo Gurgel resultou na condenação de Neném Calango (14
anos), do José Serapião de Sá (27 anos, pena reduzida para 16), José de Sá
Novais (18), que fugiu da penitenciaria e nunca mais se soube dele. Domingos
Borrely sumiu antes do julgamento, só voltando a Goiânia depois que da prescrição
do processo.
O período de
violências políticas no Estado, culminando com os acontecimentos de 1952/1953,
dentre eles o fuzilamento do jornalista Haroldo Gurgel, provocou tremendo
desgaste de Goiás lá fora, tal como se dá hoje com o envolvimento de nossos
mais importantes políticos com um contraventor e a serviço dele.
“Será focalizada
na ONU a falta de liberdade de imprensa em Goiás” – dizia, à época, a manchete
do Jornal do Povo, que registrou a repercussão da censura ludoviquista também
no Exterior O assunto estava no Time, de Nova Iorque, no Saturday Post, de
Washington, no Herald Tribune, de Chicago; no La Nación e no La Prensa, de
Buenos Aires; no Times e na BBC de Londres; no Paris Soir, de Paris, e no Le
Figaro, da França et alii.
Pedro Ludovico
não tentou contratar jornalistas ou agência lá fora para tentar melhorar a
imagem do Estado, mas deplorou a divulgação de fatos que deprimem Goiás. A
resposta que lhe foi dada serve muito bem para os dias de hoje:
– Impeça os
fatos e não haverá notícia.
***
Março de 1945,
dia 21. Os poetas José Décio Filho e José Godoy Garcia vão lançar um jornal de
apenas quatro páginas, o Goiaz Livre. Nenhuma tipografia quis imprimi-lo e eles
conseguiram fazê-lo numa gráfica improvisada. O DEIP, de Pedro Ludovico,
filhote do DIP de Getúlio e comandado por Castro Costa, apreende os exemplares
e prende os editores, liberando-os após tomar-lhes depoimentos. O jornal morria
antes de nascer.
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