Ano de 1934. A cidade em construção. O ditador regional,
Pedro Ludovico Teixeira, cumpria ao pé da letra o propósito do ditador
nacional, Getúlio Vargas: erguer nas terras doadas por Andrelino José de
Moraes, o último prefeito da Campininha, a nova Capital do Estado e marco inicial
da Marcha Para o Oeste – a primeira ação de Estado pela interiorização do
desenvolvimento.
Getúlio e Pedro Ludovico, em 1940 |
Nenhum tostão seria gasto não tivesse Pedro as suas rusgas
com o bispo de Silvânia, respeitável liderança eclesiástica e em gozo de invejável
influência política no Estado. Já estava certo de que ali seria a nova Capital
goiana. Seria.
Contam que, em dezembro de 1932, portanto há 80 anos, Pedro
baixara decreto constituindo uma comissão que, sob a presidência do então bispo
de Goiás, Dom Emanuel Gomes de Oliveira, iria escolher o local onde seria
edificada a nova cidade-sede do governo. Os trabalhos foram iniciados em 03 de
janeiro de 33. Por sugestão de um de seus membros, o Coronel Antônio Pireneus
de Souza, alguns técnicos foram designados para promover os levantamentos topográficos,
climáticos e hidrológicos nas regiões de Bonfim, hoje Silvânia, Pires do Rio e
Campinas, hoje bairro goianiense.
Bonfim possuía os dois maiores internatos católicos, para
meninos e meninas. Dom Emanuel havia transferido o seu bispado de Goiás para lá
e, com a sua influência, obtivera a obra transformadora da região: a inclusão
do município no traçado da Ferrovia Centro-Leste. Nova sede da diocese, centro
produtor de grãos beneficiado com a ferrovia conseguida pelo religioso e
principal núcleo educacional do Estado também graças à Igreja, quando soube que
a comissão técnica presidida pelo bispo havia optado pela escolha de Bonfim,
Pedro “empinou” o velho pangaré.
Dizem que o caudilho teria chamado os engenheiros João
Argenta e Jerônimo Fleury Curado e também o médico Laudelino Gomes de Almeida,
exigindo deles a aprovação da Campininha. O bispo que fosse reclamar com o
Papa. Com tais pareceres, Pedro teria arranchado no Catete, na tentativa de
convencer Getúlio a apoiar a escolha. De acordo com os relatórios dos técnicos,
tanto em Campinas quanto em Silvânia seriam necessários gastos dispendiosos
para adequar uma delas à função que lhe caberia. O ditador optou por uma
solução bem mais adequada ao seu propósito: ao invés de gastar muito para preparar
uma das duas cidades, melhor construir uma nova, ao lado da Campininha, não
magoando ao bispo e nem ao amigo e companheiro.
Getúlio lhe teria dado os 40 mil contos de réis e Pedro,
pelo Decreto nº 3.359, de 18 de maio de 1933, determinou que a região às
margens do Córrego Botafogo, compreendida pelas fazendas denominadas “Criméia”,
“Vaca Brava” e “Botafogo”, no então Município de Campinas, fosse escolhida para
nela ser edificada a Nova Capital do Estado. Entre outras medidas, enumerava o
ato que a transferência se operasse no prazo máximo de dois anos.
5 de junho de 1942, a inauguração |
Os trabalhos de preparo do terreno foram iniciados em 27
de maio de 33 e, no dia 24 de outubro do mesmo ano, se deu o lançamento da
pedra fundamental, onde hoje se situa o Palácio das Esmeraldas. Pedro escolheu o 24 de outubro por ter sido nesta
data, em 1930, que Getúlio consolidou o golpe que derrubou o presidente Washington
Luís, sagrando-se vitoriosa a revolução. Nesta data Pedro, preso, estava sendo levado
de Rio Verde para a Cidade de Goiás, quando os revoltosos dominaram as forças
legalistas, colocando em liberdade todos os companheiros detidos.
Esta a razão da escolha da data para o lançamento da
pedra fundamental e que, depois, se oficializou como a de fundação da cidade,
que, na verdade, seria dia 5 de junho de 1942, dia do seu batismo cultural (inauguração).
A
bronca do “velho”
Lavrei este enorme preâmbulo só para contar que, durante a
construção da cidade, Getúlio aqui esteve para ver de perto o andamento das obras.
Gostou de tudo o que viu, menos quando desceu até a região onde hoje se situa o
Parque Mutirama. Bem às margens do Botafogo estavam erguidas dezenas de choças
de palha, locais onde residiam os trabalhadores trazidos para a empreitada.
Eram pedreiros, serventes, carpinteiros, eletricistas, encanadores etc., que
ali habitavam com suas mulheres e filhos.
Ranchos de palha para os peões |
Getúlio ficou muito bravo – o próprio Pedro mo disse – exigindo
que o interventor providenciasse com a máxima urgência moradias que
respeitassem a dignidade de todos. Foi assim que, do outro lado do córrego,
surgiu o primeiro conjunto habitacional da cidade. Aos seus moradores, quando
alguém lhes perguntava onde viviam, a resposta que davam era a mesma: “Moramos
na vila nova”.
Quando os operários calçaram chuteiras para as peladas
futebolísticas, logo um dos adversários passou a ser o pessoal lá da vila nova.
De referência a vila nova se tornou bairro da Vila Nova e o elenco de operários
peladeiros resultou no Operário da Vila Nova e, em 1943, passou a ser somente
Vila Nova Futebol Clube, por obra e arte do Coronel Frazão (vide militar fardado
na foto histórica do time).
Da bronca de Getúlio nasceram o bairro e o time, mas
ninguém faz reverência ao velho ditador, nem mesmo pela ideia de mandar fazer a
cidade. Não se declamam loas a ditadores e nem se entoam hinos em louvor.
São fatos e memórias do meu arquivo implacável.